Audiência pública debate construção de empreendimento imobiliário em terreno da antiga Fábrica de tecido Boyes

Brasil
Edificações da Rua Antônio Corrêa Barbosa, perto da Ponte Pênsil, são tombadas desde 2004 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural da cidade que, agora, aprovou demolição. Antiga Fábrica da Boyes em Piracicaba
Claudia Assencio/g1
Uma audiência pública na Câmara para debater a proposta de construção de empreendimento imobiliário particular no local onde funcionou a fábrica de tecidos “Boyes”, em Piracicaba (SP), reuniu nesta quarta-feira (22), entre os presentes, representantes da empresa responsável pelo projeto arquitetônico, membros da sociedade civil, conselhos e do poder público, ambientalistas, professores e arquitetos.
No plenário, a empresa expôs o projeto e membros da sociedade civil a favor e contra a proposta expuseram respectivos pontos de vista. O projeto prevê que seis dos 13 prédios da área da antiga fábrica devem ser demolidos para construção do empreendimento.
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A audiência pública atendeu o requerimento 972/2023, de autoria das vereadoras Silvia Morales, do mandato coletivo A Cidade É Sua (PV) e Rai de Almeida (PT), aprovado na Câmara de Piracicaba.
As edificações, são tombadas desde 2004 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural (Codepac) da cidade.
Codepac
A demolição foi aprovada com maioria dos votos dos membros do Codepac durante reunião extraordinária do Conselho, em junho deste ano. Foram 12 votos favoráveis, um contrário e duas abstenções. A votação foi criticada pela vereadora Rai de Almeida durante a audiência.
“O Codepac que é o conselho para fazer a defesa do patrimônio público e cultural da nossa cidade, foi ali que passou primeiramente esse projeto, que eu entendo, inclusive, como a distorção do papel dos conselheiros que fazem parte deste conselho”, diz.
“O Codepac deveria ter chamado o debate público sobre este projeto”. O que nós queremos daquele espaço? Quem de fato deve ocupar aquele espaço? Ou nós vamos fazer daquele espaço um espaço privado e que apenas tenha um retorno individual do ponto de vista econômico?”, afirma.
“Que possa ser feito um empreendimento que estimule o turismo, estimule a sociedade a participar e que seja um espaço público e de permanência e conservação da nossa história e que esteja à serviço da população de Piracicaba”, conclui Rai.
“Estamos diante de um processo que desmonta, que descaracteriza toda a região da Rua do Porto, a região mais nobre, talvez mais visitada de Piracicaba”, afirmou, durante a reunião, o professor e ambientalista Paulo Figueiredo.
O professor Lino Castellani Filho questionou se as pessoas em geral, especialmente classes mais baixas, terão poder aquisitivo para frequentar o empreendimento, caso o projeto seja executado. “Isso de fato é de interesse público, mas qual público? Qual público que está sendo visado? Não é o público majoritário de Piracicaba. Nós não queremos que em Piracicaba o conceito de cidade empresarial prevaleça sobre aquele centrado no conceito de desenvolvimento sustentável”.
Durante a audiência, o arquiteto Julio Takano, CEO da empresa de arquitetura, apresentou o projeto e disse que 60% do terreno será de acesso público. “O acesso da comunidade a este espaço é um diferencial que nós queremos trazer. Piracicaba não merece perder esse patrimônio por um desleixo onde a gente pode querer preservar ou abandonar esse patrimônio, mas sim revitalizá-lo. E nós estamos aqui como especialistas para ajudar nessa revitalização”, diz.
Requerimento
No requerimento 972/2023, as vereadoras apontam que “o projeto está inserido em uma área tombada e próximo a vários outros bens culturais protegidos, correndo o risco de descaracterizar e eclipsar esses patrimônios históricos”.
O texto defende que “a construção de quatro torres de 29 pavimentos e 90,5 metros de altura alterariam significativamente o skyline da cidade e impactariam a apreciação dos elementos históricos e naturais da região, caracterizando uma verticalização Excessiva e área não apropriada” e que “a inclusão de 440 unidades residenciais e 1500 vagas para automóveis poderia sobrecarregar a infraestrutura viária da cidade, dificultando o acesso e prejudicando o trânsito local”.
O requerimento assinado pelas parlamentares indica, ainda, que “o projeto colocaria em risco a manutenção da essência e da alma da cidade de Piracicaba” e que “foi aprovado sem uma consideração cuidadosa dos potenciais impactos negativos na comunidade e no meio ambiente, além da falta de um debate público amplo e detalhado”.
Empresa de arquitetura
A empresa de arquitetura responsável pelo projeto Boulevard Boyes apresentou a proposta no dia 3 de dezembro, no Espaço Beira Rio, e apontou como “aspectos positivos” os seguintes pontos:
“revitalização e a valorização da fisionomia dos prédios históricos, preservação, construções de novos espaços, cubos comerciais para pequenos empreendedores (artistas e artesões) e criação de torres residenciais totalmente sustentáveis, com arquitetura integrada com os prédios preservados e ao próprio Engenho Central”.
A empresa aponta que o projeto foi aprovado pelo Codepac com a maioria de votos dos conselheiros. “Por quase dois anos, o órgão avaliou os detalhes, solicitando ajustes, os quais foram incorporados na sua totalidade pela equipe técnica do Boulevard Boyes”.
“As torres atendem aos pré-requisitos da Prefeitura de Piracicaba no tocante à altura e sombreamento. Pela legislação, as torres poderiam ter até 29 andares e apenas uma torre tem 27 andares, portanto dois andares abaixo do limite legal”, afirma a empresa de arquitetura responsável pelo projeto.
A torre mais alta do residencial Boyes é apenas a 25ª torre mais alta de Piracicaba ficando 58,5 metros abaixo do edifício de cota mais alta. Esta diferença equivale, por exemplo, a ter outro prédio de aproximadamente 19 andares entre a torre Boyes e a de cota mais alta na cidade”, diz a empresa de arquitetura.
“O projeto foi desenvolvido no sentido de preservar este singular remanescente industrial, integrante do patrimônio e da paisagem cultural dos piracicabanos”, diz o arquiteto Julio Takano, CEO da empresa.
Demolição
Seis dos 13 prédios da área da antiga fábrica da Cia. Industrial “Boyes”, em Piracicaba (SP), deverão ser demolidos para construção de empreendimento imobiliário particular. As edificações, localizadas na Rua Antônio Corrêa Barbosa perto da Ponte Pênsil, são tombadas desde 2004 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural (Codepac) da cidade.
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Claudia Assencio/G1
A demolição, apesar de questionada por membros do Codepac, foi aprovada com maioria dos votos durante reunião extraordinária do Conselho, em junho deste ano. Foram 12 votos favoráveis, um contrário e duas abstenções.
Questionada sobre o projeto, a Prefeitura de Piracicaba informou, em nota enviada ao g1 nesta sexta-feira (13), que a demolição foi autorizada porque, entre outros fatores:
“esses prédios já sofreram descaracterizações internas e externas, que impossibilitaram a valorização de qualquer legado arquitetônico”, comunicou em trecho do documento.
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Claudia Assencio/G1
No mesmo espaço, um projeto que não se concretizou, previa construção de shopping onde haveria uma usina para geração própria de energia renovável e sem impacto ambiental. A previsão de inauguração era para 2017.
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Contrapartidas
Em ata da reunião que aprovou a demolição, assinada pelo presidente, Esio Antônio Pezzato, e 1º secretário do Codepac, Álvaro Luis Saviani, há menções aos questionamentos e pedidos de ressalvas feitos por outros membros do Conselho sobre os pontos, abaixo.
O empreendimento foi lançado em em 2015 e, de acordo com o divulgado pelos responsáveis pelo empreendimento na época.
Antiga fábrica de tecido Boyes em Piracicaba
Claudia Assencio/g1
A Pequena Central Hidrelétrica (PCH), criada por Luiz de Queiroz em 1892, onde também funcionava a fábrica de tecidos Boyes, teria sido recuperada e restaurada, segundo informações publicadas na época. As obras que permitiam a reativação das máquinas foram entregues em outubro daquele ano.
Entre os aspectos mencionados pelos conselheiros, destacam-se:
Preocupação com a descaracterização do conjunto tombado diante da previsão de construção de quatro torres, de mais de 90 pelo projeto da empresa responsável pelo empreendimento imobiliário, a SPE Piracicaba.
Sugestão de contrapartidas a serem oferecidas pelo empreendimento como restauro e requalificação da Praça Boyes, integra conjunto patrimonial tombado, por seu aspecto histórico, cultural e fabril; detalhamento de espaços que serão de acesso e interesse público; construção de memorial da antiga tecelagem.
Além disso, pedem ainda estudos de impacto ambiental e de uso do solo, análise e relatório de impacto de vizinhança, bem como o licenciamento e execução de medidas mitigadoras e compensatórias.
O que diz a prefeitura
Consultada em outubro deste ano pelo g1, após aprovação da demolição de parte dos prédios do antigo complexo industrial da Boyes, a prefeitura de Piracicaba afirmou que
“o projeto atual manteve parte do programa apresentado e aprovado anteriormente, e também a intenção de preservar os mesmos edifícios e elementos arquitetônicos considerados relevantes para o conjunto, além de incluir elementos solicitados pelo Codepac”, informou em nota.
‘Local sem função social’, diz prefeitura
Segundo o Codepac, a autorização para o projeto do imóvel citado foi concedida pelo órgão em 2013, com alvará de Obras emitido em 2015.
A proposta foi analisada por uma “comissão especial” formada por conselheiros formados em Engenharia e Arquitetura e Urbanismo. O grupo, ainda conforme a prefeitura, realizou encontros durante um ano e meio para debater o projeto.
“Para a aprovação, o Codepac observou que a proposta do empreendimento em relação à preservação do patrimônio industrial remanescente, por meio da realização de restauro e novos usos para o local, que se encontra sem função social há décadas, é vantajosa para o município”, disse.
Contexto
O conjunto fabril da antiga fábrica da Cia. Boyes foi tombado com as demais edificações Sítio Urbano Histórico (SHU) Rua do Porto da maneira em que se encontrava em 2004, a qual se mantém, afirma a prefeitura.
“A legislação vigente em 2004, ano do tombamento, não previa graus diferenciados de preservação, antevendo somente o tombamento integral dos imóveis, ficando sempre a critério do colegiado, após análise de projetos, a aprovação ou a recusa de obras que eventualmente viessem a descaracterizar os imóveis tombados, ou seu entorno imediato, procedimento este que foi modificado com a nova legislação de 2005, ainda vigente, apesar de alterada pela de 2010, para os imóveis tombados a partir desta data, com níveis diferenciados de preservação”, acrescenta.
Para o conjunto remanescente da antiga Fábrica Boyes, deverá ser observado o grau P2 de preservação.
O que significa o grau P2 de preservação?
O imóvel partícipe de conjunto arquitetônico, cujo interesse histórico está em ser parte do conjunto, devendo seu exterior ser totalmente conservado ou restaurado, mas podendo haver remanejamento interno, desde que sua volumetria e acabamentos não sejam afetados, de forma a manter-se intacta a possibilidade de aquilatar-se o perfil histórico urbano.
Manifesto
Um manifesto, assinado por ambientalistas, historiadores, arquitetos, engenheiros, artistas, educadores e demais profissionais, pede a revogação da aprovação, por parte do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural (Codepac), do projeto que prevê a demolição de seis dos 13 prédios da área da antiga fábrica da Cia. Industrial “Boyes”, em Piracicaba (SP), para construção de empreendimento imobiliário particular. Leia mais, aqui.
Em publicações nas redes sociais e em uma página com o nome “Salve a Boyes”, o manifesto em caráter de petição pública aponta que o projeto do empreendimento imobiliário representa ameaça ao “patrimônio histórico, cultural, paisagístico e ambiental da cidade” e, segundo informações às quais o g1 teve acesso, seria composto por quatro torres habitacionais na orla do Rio Piracicaba.
No dia 3 de novembro deste ano, um grupo de manifestantes contrários ao empreendimento fizeram um ato em frente ao local onde o projeto do empreendimento era apresentado à imprensa.
Grupo faz ato contra empreendimento imobiliário previsto para área da antiga Fábrica da Boyes em Piracicaba
Eloah Margoni/Sodemap
Projeto ainda não foi aprovado, diz prefeitura
Em nota, a Prefeitura de Piracicaba (SP) afirma que o projeto não foi aprovado e nem passou por apreciação de nenhuma secretaria do Executivo.
“O Codepac esclarece que o que foi apreciado pelo conselho, após estudo extenso por comissão formada por técnicos durante um ano e meio, foi o restauro dos edifícios remanescentes no local. Nesse estudo aprovado, todas as edificações de importância histórica do conjunto fabril serão devidamente preservadas e restauradas.
Quanto à realização do empreendimento, a aprovação de novas construções, análise ambiental e demais, necessárias para aprovação e execução, devem passar pelos órgãos técnicos com essa competência, como quaisquer outros empreendimentos do município.
Dessa forma, o atual projeto do empreendimento ainda não está aprovado para construção, conforme divulgado de forma errônea em redes sociais”, finaliza.
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