Brasil x Argentina: o clássico marcado pelos extremos e pela vergonha

Futebol
A terça-feira que entra para a história como mais uma mancha na relação entre o Brasil e o futebol, entre a polícia e a arquibancada, havia começado com ares de celebração ao futebol sul-americano. A terça-feira que entra para a história como mais uma mancha na relação entre o Brasil e o futebol, entre a polícia e a arquibancada, havia começado com ares de celebração ao futebol sul-americano. Afinal de contas, a seleção brasileira receberia a Argentina cheia de intenções maliciosas para carimbar a faixa da atual campeã do mundo, justamente naquela que provavelmente seria a última aparição de Lionel Messi nos gramados nacionais. 
Messi que, muitos argentinos admitem, foi amado antes no Brasil do que no seu próprio país, onde muitas vezes era visto com alguma ressalva. Hoje, é amado por todos, argentinos e brasileiros, gregos e troianos, como mostrou a recepção no Maracanã. Representa, sem restrições, a admiração mútua que os países historicamente nutrem pelo talento vizinho, como já mostraram Maradona, Pelé e qualquer brasileiro que surja com uma bola na areia da praia. 
Horas antes do jogo (e da mancha), o canal esportivo argentino TyC Sports promoveu um desafio na praia do Leme, onde vários torcedores argentinos faziam nada mais do que se entregar à galhofa. A prova era quem fazia mais embaixadinhas, então surgiu o já célebre Mão de Bandeja, que trabalhava vendendo caipirinhas e, mesmo equilibrando sua fonte de renda e sendo sabotado pelos hermanos, tratou a pelota com os mais íntimos adjetivos, para estupefação de todos, seguida de celebração coletiva. “Nos hizo mierda”, comentavam os argentinos na publicação. “O brasileiro que menos sabe jogar futebol.” “Como vai desafiar um brazuca na praia? É como desafiar Deus.” O desafio resultava em puro suco de Brasil e também puro jugo de Sudamerica.
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A terça-feira que começou com o desafio cheio de graça e aclamação continental de Mão de Bandeja reservava extremos civilizatórios. Uma versão diz que a pancadaria na arquibancada teria começado com a reação argentina após parte da torcida brasileira vaiar o hino dos vizinhos. Sem separação entre as torcidas, a escalada de violência ganhou combustível com a truculência da polícia, que no Brasil tem uma profunda herança de repressão. Foram 25 torcedores feridos, todos argentinos, muitos sangrando, ainda que o coronel responsável pela ação do BEPE tenha afirmado que o procedimento foi “bem técnico”. 
Os aplausos de parte da torcida brasileira enquanto os argentinos eram agredidos é uma evidência forte da crescente tensão na relação entre torcedores de ambos os países, que também teve episódios dramáticos na decisão da Libertadores. Recentes episódios de racismo contra brasileiros, ignorados pela CONMEBOL, são apontados como o estopim que justificaria toda forma de reação, mas logo se transformam em uma enxurrada de xenofobia e apologia ao ódio — e, em casos como ontem, de própria celebração da violência.
A causa racial não deveria ser ditada pelo viés das nacionalidades e os brasileiros temos o nosso próprio racismo histórico, estrutural e cotidiano para resolver. Por mais que não aceitem, brasileiros e argentinos têm muitas semelhanças, para o bem e para o mal — violência, preconceito, festa e futebol. Talvez seja esse próprio reflexo que cause desconforto.
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