Cidade agradável, clima hostil: há 20 anos, Sport e Palmeiras faziam “final” em Garanhuns na Série B

Futebol
Jogão ocorreu no Gigante do Agreste, na penúltima rodada da Série B de 2003; Sport havia sido punido com perda de mando e escolheu mandar o jogo “na Suiça Pernambucana” Há 20 anos, o estádio Gigante do Agreste, em Garanhuns, interior de Pernambuco, recebia o maior jogo de sua história: Sport x Palmeiras, pela penúltima rodada do quadrangular do acesso da Série B de 2003. Naquele 22 de novembro, a cidade serrana, conhecido pelo clima frio e agradável, parou para ver uma “final” histórica, animada e cheia de hostilidades.
A começar pelas fortes críticas da equipe paulista pela escolha do palco, pautadas no estado do gramado e da iluminação. E pelas reclamações do Leão contra arbitragens e decisões extracampo para favorecer o adversário – como a perda de mando de campo que fez o clube jogar fora da Ilha do Retiro aquele encontro.
+ ✅Clique aqui para seguir o novo canal ge Sport no WhatsApp
+ Veja mais notícias do Sport no ge
Palmeiras vence Sport e conquista título da Série B 2003
Naquela ocasião, o Gigante do Agreste passou por reformas. Hoje, novamente vive necessidade de obras – está sem gramado, com problemas na estrutura e não recebe um jogo oficial há quase dois anos. O Sete de Setembro, principal clube da cidade, está inativo.
O cenário desolador de hoje contrasta fortemente com o visto no Sport x Palmeiras de 20 anos atrás. O ge relembra todo o contexto decisivo que envolveu aquele duelo dentro e fora de campo, e culminou com o acesso alviverde e frustração rubro-negra.
Sem campo e iluminação, Gigante do Agreste não recebe jogos há dois anos
Rafael Pontes / RP Esportes
A Série B de 2003
Nessa época a Série B era disputada em três fases. Uma primeira, classificatória, com todos os times se enfrentando em turno único. Os oito primeiros passavam para a segunda fase, formando dois quadrangulares. As equipes do mesmo grupo se enfrentavam em jogos de ida e volta, com os dois primeiros de cada chave passando para formar o quadrangular final. Dali, saía o campeão e o vice, os dois times a subir de divisão.
Se o Gigante do Agreste parece ter parado no tempo, o Palmeiras de hoje é outro. Líder do Brasileirão e passando por um dos momentos mais vitoriosos de sua história, vivia em 2003 sua maior crise. Pela primeira vez um dos grandes de São Paulo era rebaixado à Série B e a cúpula alviverde sabia que era preciso voltar logo à elite.
Em 2002, Palmeiras perde para o Vitória e é rebaixado para a Série B do Brasileirão
Pra isso, contratou o técnico Jair Picerni, que havia levado o São Caetano às finais do Brasileirão de 2000 e 2001. No elenco, destaque para as promessas Pedrinho e Vagner Love e, claro, o goleiro Marcos, pentacampeão mundial com a Seleção um ano antes.
Em 2003, Marcos não acerta sua transferência para o Arsenal, da Inglaterra
Além do Palmeiras, o Botafogo também havia sido rebaixado – o primeiro grande do Rio de Janeiro nessa condição. Os dois gigantes detinham os holofotes e eram tidos como favoritos. Mas tinha um “azarão” querendo estragar a festa.
Nasce uma rivalidade
Ao longo da competição, alguns coadjuvantes apareceram com destaque. Remo e Marília fizeram boas campanhas, mas o Sport já surgia como principal candidato a “intruso”. Era o time de Cléber Santana e Vagner Mancini no setor de meio de campo, além do zagueiro artilheiro Gaúcho.
A rivalidade com os dois gigantes, em particular com o Palmeiras, começou a ser construída na primeira fase e se estendeu ao quadrangular semifinal. Edmilson, um dos jovens atacantes do Verdão naquele ano, lembra:
“O clima era de muita provocação e começou, se não me engano, em um jogo no antigo Parque Antártica, com algumas declarações do técnico Hélio dos Anjos (do Sport) dizendo que a gente não precisava de juiz pra ganhar aquele jogo. E a gente até acabou perdendo por 3 a 2.”
– Naquele ano, jogamos umas cinco vezes na Série B e dentro de campo era aquilo, nós tínhamos muitos jogadores jovens e os zagueiros queriam intimidar a gente dizendo que iriam dar porrada – acrescenta.
Cria da base do Palmeiras, Edmilson jogou pelo Sport em 2016
Fabiano Mesquita/Framephoto/Estadão Conteúdo
O jogo mencionado por Edmilson foi na quarta rodada do primeiro quadrangular. O Sport precisava vencer para ter chances de classificação – era o terceiro encontro entre eles, com uma vitória palmeirense e um empate.
Mas foi um jogo anterior a esse que gerou grande polêmica. Na terceira rodada do quadrangular semifinal o Sport perdeu em casa para o alviverde por 2 a 1. Além de confusão dentro de campo, dirigentes do clube pernambucano invadiram o gramado para protestar contra a arbitragem.
Na ocasião, não houve denúncia, mas, quando as duas equipes chegaram ao quadrangular final, reavaliaram as imagens e o caso foi levado ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O Sport acabou punido com a perda de mando de campo e calhou de ser justamente a partida contra o Palmeiras. O técnico Hélio dos Anjos acredita que houve favorecimento às equipes do Sudeste:
“Eu tenho minha característica de trabalho, eu não baixo a guarda, nunca baixei a guarda pra adversário nenhum, e naquele ano as histórias, os acontecimentos do quadrangular foram incríveis. Porque o lado fora de campo não foi fácil. A questão de tirar o mando de campo do Sport foi uma mexida geral. De Federação, da força do Palmeiras e acabou acontecendo”, recorda.
Hélio dos Anjos, técnico do Sport em 2003
reprodução/ TV Globo
O que valia para cada um?
A punição estabelecida pela invasão foi a de o Sport jogar a 150km de sua sede. Chegou-se a cogitar levar o jogo a João Pessoa, na Paraíba, mas temendo sofrer com “inversão de mando” por conta da grande torcida que o Palmeiras tinha na cidade, o Leão decidiu jogar em Garanhuns.
A equipe pernambucana chegava pressionada pelos resultados. Havia somado quatro pontos nas quatro primeiras rodadas e tinha que vencer os dois últimos jogos para ter chances de acesso.
O Palmeiras subiria se empatasse esse ou o último jogo, contra o Botafogo. Porém, uma vitória dos pernambucanos embolaria o grupo, que ainda contava com o Marília, e o Verdão poderia ficar de fora do acesso se perdesse em casa na rodada final.
Vencer, no entanto, garantiria o acesso de forma antecipada e também o título da Série B.
Clima hostil
O Sport levou sua delegação dias antes para Garanhuns para se ambientar. Enquanto no Recife a temperatura girava em torno dos 27º, na “Suíça Pernambucana” ficava bem abaixo dos 20º.
Há 20 anos Sport se preparava em Garanhuns para jogo decisivo contra o Palmeiras
O Palmeiras, por outro lado, preferiu fazer sua preparação em Maceió, a 170 Km do local da partida. Os palmeirenses tinham noção do clima hostil que se instaurara, ainda mais quando o goleiro Marcos comparou o gramado do Gigante do Agreste a “um pasto onde os bois se alimentam”.
Há 20 anos Palmeiras se preparava para “final” da Série B em Maceió
No entanto, quando chegou o grande dia, não foi o gramado que preocupou os atletas, como conta Edmilson:
“Lembro que o estádio era um alçapão, parecia que a torcida do Sport iria entrar no campo. Atrás do nosso vestiário dava pra ouvir tudo e quando saía lembro que tinha um muro baixo que se os torcedores quisessem subir, dava, aí agente teria que sair correndo. Já o campo não era ruim assim do jeito que falavam, dava pra jogar”, recordou o ex-atacante.
Veja como foi o jogo no vídeo abaixo:
O clima da torcida entrou em campo e Sport e Palmeiras protagonizaram um jogo nervoso como todos os outros daquela temporada. O Leão saiu na frente com um gol de Gaúcho, cobrando falta. O placar enervou o palmeirense Adãozinho, um dos mais experientes do elenco. Ele entrou na pilha e acabou expulso.
– Foi uma guerra: Nordeste, Pernambuco, contra duas forças, uma carioca e outra paulista, e eu briguei pelo meu time – lembra Hélio dos Anjos.
Trave onde Edmilson fez o gol do título em 2003 hoje em dia
Rafael Pontes / RP Esportes
Àquela altura, um bom resultado do Palmeiras também beneficiaria o Botafogo, que garantiria o acesso antecipadamente. E veio a virada. Primeiro, com um gol de cabeça de Magrão, aproveitando cobrança de escanteio. Nos acréscimos, Edmilson fez o gol da vitória, da classificação e do título.
– Fiquei seis jogos sem fazer gols e todo jogo eu era substituído. O Pedrinho sempre falava que eu iria fazer o gol do título, tanto que quando eu fiz, fui direto abraçá-lo. Foi o gol mais importante da minha vida pois cheguei na base do Palmeiras com 14 anos, vivi muitas coisas ali dentro e sofri quando o time caiu em 2002 – lembra.
Depois, o Palmeiras ainda venceu o Botafogo em casa, no jogo de entrega das faixas. O Sport ficou com a frustração de quase chegar lá. E o Gigante do Agreste viveu uma noite histórica, como que celebrasse seu último grande momento como praça esportiva em Pernambuco.
Jogadores do Palmeiras fazem festa do Título da Série B no Parque Antártica
Arquivo pessoal
🎙️ Ouça o podcast Embolada 🎧
Assista: tudo sobre o Sport no ge, na Globo e no sportv
,