Gasto da Prefeitura de SP com subsídios às empresas de ônibus chega a R$ 5,3 bi e já é o maior da história

Brasil
Valor de 2023 já superou os R$ 5,1 bilhões gastos pela prefeitura no ano passado para subsidiar o transporte da cidade. Congelamento da tarifa em R$ 4,40 desde janeiro de 2020 e elevação do preço dos custos de operação explicam o aumento, segundo a própria SPTrans. Fila de ônibus impedidos de entrar no Terminal Parque Dom Pedro II, no Centro de São Paulo, na terça.
Reprodução
Ônibus trafegam pelo viaduto Santo Amaro, na Zona Sul da capital paulista.
Chello Fotógrafo/Futura Press/Estadão Conteúdo
O gasto da Prefeitura de São Paulo com subsídios pagos às empresas de ônibus da capital paulista atingiu R$ 5,3 bilhões neste mês de novembro é já o maior da história da cidade, pelo terceiro ano consecutivo.
Segundo dados divulgados pela SPTrans, entre janeiro e novembro deste ano, o total aplicado pelo tesouro municipal no sistema municipal de transporte público da capital superou em cerca de 4% os R$ 5,1 bilhões gastos em todo o ano passado.
Esse valor ainda deve crescer até o fim do ano, uma vez que 2023 ainda não terminou e, no ano passado, só no mês de dezembro, a prefeitura desembolsou R$ 650 milhões para subsidiar o transporte público da cidade.
Caso os valores de desembolso de 2022 se repitam, a cifra total deste exercício deve superar o valor inédito de R$ 6 bilhões em 12 meses.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), durante evento no Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (CEPEUSP)
Secom/PMSP
Segundo a SPTrans, o congelamento da tarifa em R$ 4,40 desde janeiro de 2020, a elevação do preço dos custos de operação nos últimos anos e as gratuidades oferecidas pela prefeitura justificam a alta dos desembolsos municipais.
“Desde 2020 houve aumento real nos preços dos insumos que definem o valor do custo do sistema de transporte, o que ocasiona aumento na necessidade de investimento. Ao mesmo tempo, desde então a tarifa de ônibus tem sido mantida no valor de R$ 4,40 para garantir o acesso da população ao transporte público, sem impactar no orçamento das famílias”, disse a SPTrans.
“Para que haja equilíbrio no sistema de transporte público em um período em que diminuíram as receitas e os custos aumentaram, a Prefeitura aporta recursos em forma de subsídio ao sistema. Além de manter o valor da tarifa congelado, este investimento permite 870 mil embarques de idosos, na média dos dias úteis, cerca de 730 mil embarques de estudantes com gratuidade ou desconto na tarifa e 330 mil viagens de pessoas com deficiência, que podem utilizar o sistema de ônibus gratuitamente”, completou a SPTrans (veja íntegra da nota abaixo).
Subsídios para empresas de ônibus
2023: R$ 5,3 bilhões (até novembro)
2022: R$ 5,1 bilhões
2021: R$ 3,4 bilhões
2020: R$ 3,3 bilhões
2019: R$ 3,1 bilhões
2018: R$ 3,3 bilhões
2017: R$ 2,9 bilhões
2016: R$ 2,5 bilhões
Fonte: SPTrans
Orçamento de 2024
Para o ano de 2024, a gestão Ricardo Nunes (MDB) planeja gastar o mínimo de R$ 5,1 bilhões com os subsídios na cidade, segundo o orçamento municipal enviado à Câmara Municipal e que ainda está em fase de discussão entre os vereadores.
O valor é R$ 1,4 bilhão acima do aprovado no orçamento de 2023, quando a SPTrans dizia que gastaria R$ 3,7 bilhões com subsídios.
Mas como se vê neste ano, os R$ 3,7 bilhões que estavam no orçamento deste exercício foram superados em muito pelos R$ 5,3 bilhões que já foram gastos até o início de novembro (R$ 1,6 bilhões a mais).
Segundo o professor Horácio Augusto Figueira, mestre em Engenharia de Transportes pela Escola Politécnica da USP, o aumento dos gastos em subsídio são reflexo do que ele chama de “escolha errada da prefeitura em congelar a tarifa” somada à queda do número de passageiros dos sistema.
“Desde 2020, quem vai ao supermercado sabe que tudo aumentou. Assim como aumentou o custo do diesel, do pneu, da manutenção dos ônibus e do custo de salários do motoristas e dos cobradores. Ao congelar a tarifa por quase quatro anos, o prefeito tomou um caminho errado de absorver esses custos com o dinheiro do contribuinte. Alguém ia ter que pagar essa conta, que agora está se apresentando. Foi uma escolha errada da prefeitura em manter a tarifa congelada por tanto tempo”, disse Augusto Figueira.
“Somado a isso, a demanda por ônibus está caindo há anos e foi acentuada pela pandemia. Os corredores de ônibus exclusivos existentes estão cada vez mais ineficientes e, os novos, como da Radial Leste, não saem do papel há 15 anos. Isso tudo está levando a um colapso do transporte, cuja a conta agora não está sendo paga pelos prefeitos que estiveram no cargo, mas pelo contribuinte. Porque são R$ 5 bilhões que poderiam ser gastos em outras dezenas de projetos de Educação e Saúde da cidade, por exemplo”, afirmou.
O professor Horácio Augusto Figueira, da Poli-USP, e o coordenador de Mobilidade do Idec, Rafael Calábria
Divulgação
Para o coordenador de Mobilidade do Idec, Rafael Calábria, a cidade tem gasto valores excessivos com os subsídios nos últimos anos, que precisam ser melhor explicados pela SPTrans.
“O aumento do subsídio faz parte de um aumento do custo muito grande que temos visto nos últimos dois anos no serviço de ônibus de São Paulo. O custo total do serviço passou de R$ 10 bilhões e precisa ser melhor explicado pela SPTrans, porque, apesar do número de passageiros ainda estar abaixo do que era na pré-pandemia, o número de viagens caiu muito também. Os cumprimentos de viagens também estão abaixo do planejado. Então, não era para ter tido um aumento tão grande assim. Esses valores são bem questionáveis e a SPTrans precisa explicar melhor porque os custos têm aumento tanto e gerado esse alto subsídio”, afirmou.
Queda das viagens na cidade
Calábria faz parte do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte da capital, que é formado por membros da sociedade civil e da própria Prefeitura de SP e SPTrans.
Segundo estudo feito pelo Idec e mais 20 entidades e ONGs, como Instituto Pólis e Ciclocidade, desde 2013 a capital paulista perdeu mais de 1 bilhão de viagens de ônibus. Isso equivale a cerca de 20% de todas as viagens que deveriam ser feitas por meio de contrato, segundo as entidades.
O estudo foi baseado em números obtidos pelo Idec via Lei de Acesso à Informação (LAI). Ele aponta que, em 2023, as viagens realizadas de ônibus em São Paulo caíram para um nível inferior ao de 2019. As regiões mais afetadas são as zonas Leste e Sul, com algumas linhas reduzindo suas viagens em até 66% (veja vídeo abaixo).
Número de viagens de ônibus na capital caiu 20% entre 2019 e 2023, segundo o Idec
Aumento do número de passageiros
Apesar da demanda de passageiros ainda estar baixa em relação a 2019, o número de passageiros transportados pelo sistema público municipal de ônibus da cidade cresceu 2% entre janeiro e outubro de 2023, na comparação com o mesmo período de 2022.
Segundo o site de transparência da SPTrans, até outubro de 2023 a cidade havia transportado 1,740 bilhão de passageiros, valor superior ao mesmo período de 2022, quando 1,709 bilhão de pessoas haviam usado o transporte público da cidade até outubro.
Apesar do ligeiro aumento, os números de 2023 estão 21,5% abaixo do patamar de 2019, ano anterior à pandemia da Covid-19. Naquele ano, a cidade transportou até outubro cerca de 2,2 bilhões de passageiros. Número acima dos 1,74 bilhão registrado em 2023.
Passageiros transportados até outubro
2023: 1.740.427.754
2022: 1.709.490.619
2021: 1.351.124.061
2020: 1.287.710.010
2019: 2.218.264.227
Fonte: SPTrans
Tarifa Zero
Prefeitura da capital estuda tarifa zero para os ônibus
Em novembro do ano passado, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que encomendou um estudo para a SPTrans sobre a possibilidade de implementar um sistema de tarifa zero na capital, a exemplo do que foi implantado no início do mês pelo município de São Caetano do Sul, na Grande SP.
Porém, passado mais de um ano da afirmação, a prefeitura de São Paulo ainda não apresentou os resultados do estudo encomendado. Pelo que foi apresentado na Câmara Municipal de SP no ano passado por um diretor da SPTrans, durante a discussão do orçamento de 2023, o custo total do sistema de ônibus de SP em 2023 seria próximo de R$ 12 bilhões.
Isso significa que, para adotar uma política de tarifa zero, a gestão Nunes teria que assumir integralmente esse valor, ou adotar um sistema misto que mantivesse a receita de pelo menos R$ 5 bilhões vinda dos passageiros que pagam passagem anualmente.
Na opinião do professor Horácio Figueira, adotar um sistema de tarifa zero na capital na atual condição do sistema é “temerário e absolutamente populista”.
“A gente viu agora em São Caetano que a adoção da tarifa zero elevou em 50% a demanda de passageiros na cidade em 20 dias. Na capital, esse aumento de demanda brutal colapsaria atual estrutura. Se com o dinheiro da tarifa pago pelo passageiros já há superlotação, atrasos e falta de ônibus na periferia, com a tarifa zero o problema aumentaria. Seria preciso mais ônibus circulando, mais viagens por linha e mais gastos de manutenção da frota pra manter a mesma qualidade. Tudo isso elevaria o custo atual de R$ 10, 12 bilhões e explodiria as contas da cidade”, declarou.
“Não tenho nada contra a tarifa zero. Mas é um estudo série e independente que precisa ser feito, não uma decisão no calor da emoção, de um prefeito que está buscando desesperadamente uma marca de governo para tentar a reeleição ano que vem. Nesse contexto, adotar tarifa zero é absolutamente populista. Qualquer solução que abra mão da receita de R$ 5 bilhões atual do bilhete único é temerária. E significaria piorar consideravelmente um sistema que já está ruim e cheio de reclamações”, disse Figueira.
Prefeitura de SP deve pagar até R$ 7,4 bilhões em subsídios para o transporte público
Gratuidade aos finais de semana
Paralelamente à ideia de tarifa zero, a prefeitura começou a adotar a catraca livre na cidade em datas específicas, como os dois domingos de realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a eleição de conselheiros tutelares na cidade.
Segundo vereadores da base do governo na Câmara Municipal de SP ouvidos pelo g1, a tendência é que a prefeitura adote esse modelo de tarifa zero aos finais de semana na cidade como alternativa.
Um decreto está sendo analisado pela prefeitura para já começar a adoção do novo modelo neste final de ano ou em janeiro de 2024, segundo esses parlamentares. Não se sabe ainda se a gratuidade será sábados e domingos – que têm demanda mais baixa de passageiros na cidade – apenas domingos e feriados ou em datas específicas. Os detalhes está sob análise.
O representante do Idec, Rafael Calábria, diz que a medida seria muito bem vinda na cidade, a fim de democratizar o acesso das pessoas ao lazer e à cultura aos finais de semana.
Mas ele chama atenção para a forma atabalhoada que a Prefeitura de São Paulo pode fazer a adoção de um novo modelo.
“É uma política que vai aumentar muito a demanda no fim de semana. E ela precisa respeitar três aspectos: em primeiro lugar, a qualidade. Havendo aumento de demanda, tem que aumentar a frota rodando. Em segundo lugar: como vai pagar essa gratuidade para as empresas? A forma de remuneração ainda não está clara e esse possível modelo não está previsto no contrato atual. Essa gratuidade não pode virar uma injeção de dinheiro descontrolada para o empresariado”, afirmou Calábria.
“O terceiro ponto é sobre dados dessa gratuidade. Em todos os domingos que já teve tarifa zero na cidade, a prefeitura fechou a catraca e não contabilizou o quanto as pessoas estavam usando. Ou seja, não tem nenhum dado para estimar como vai ser essa política nova, se ela for adotada. Precisa começar a coletar esses dados. Mas eles tem tratado mal este tema. Fazer as coisas do dia pra noite pode transformar uma proposta boa num problema para os passageiros”, disse.
Esvaziamento de outros modais
Aglomeração de passageiros nos trens da linha 7 Rubi da CPTM, que liga a cidade de Francisco Morato até a estação Brás, na região central de São Paulo, na manhã desta sexta-feira, 16, em meio à pandemia de coronavírus que afeta o Estado.
ROBERTO COSTA/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO
Outro aspecto apontado pelo coordenador do Idec é sobre a comunicação da Prefeitura de SP com o Metrô e os trens da CPTM e da ViaMobilidade para adoção da eventual gratuidade.
Calabria aponta que pode haver uma migração de passageiros desses modais para o sistema de ônibus aos finais de semana, caso o governo de SP não adote medida semelhante.
“Se tiver tarifa zero e o Metrô ou a CPTM for R$ 4,40, vai esvaziar os outros modais. Então, precisa ter um diálogo com o governo do estado, que o Nunes parece que claramente não tá fazendo. Sem esse diálogo, meu medo é que um mal feito irrite as pessoas e esvazie a proposta”, declarou.
Nos últimos dois domingos em que houve a realização do Enem na capital paulista, o governo de SP também adotou a gratuidade também no Metrô, na CPTM e nos trens da ViaQuatro, Via Mobilidade e ônibus da EMTU.
Mas por ora, o Palácio dos Bandeirantes não deu nenhuma sinalização de que pretende seguir a prefeitura em eventual adoção de novo modelo de transportes aos finais de semana.
Íntegra da nota da SPTrans
“A Prefeitura de São Paulo, por meio da SPTrans, investe no sistema de transporte por meio da compensação tarifária, que permite que o sistema seja inclusivo com tarifa acessível, integração gratuita entre ônibus, desconto na integração com o sistema sobre trilhos e gratuidade a idosos, estudantes e pessoas com deficiência.
Desde 2020 houve aumento real nos preços dos insumos que definem o valor do custo do sistema de transporte, o que ocasiona aumento na necessidade de investimento. Ao mesmo tempo, desde então a tarifa de ônibus tem sido mantida no valor de R$ 4,40 para garantir o acesso da população ao transporte público, sem impactar no orçamento das famílias.
Para que haja equilíbrio no sistema de transporte público em um período em que diminuíram as receitas e os custos aumentaram, a Prefeitura aporta recursos em forma de subsídio ao sistema.
Além de manter o valor da tarifa congelado, este investimento permite 870 mil embarques de idosos, na média dos dias úteis, cerca de 730 mil embarques de estudantes com gratuidade ou desconto na tarifa e 330 mil viagens de pessoas com deficiência, que podem utilizar o sistema de ônibus gratuitamente.
Além disso, a Prefeitura também aumentou o conforto aos passageiros nos últimos anos, pois investiu na renovação da frota, com a inclusão de mais ônibus com ar-condicionado, tomada USB e motores menos poluentes”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *